Alberto Giacometti no seu atelier em Paris, 1950
Fotografia de Ernst ScheideggerEle sabe o que queria fazer e nós não o sabemos; mas sabemos o que tem feito e ele ignora-o: mais da metade dessas esculturas ainda estão presas à sua carne, é-lhe impossível vê-las: mal as acaba, está já para além delas a sonhar com mulheres ainda mais delgadas, ainda mais longas, ainda mais leves, e é graças à sua obra que concebe o ideal em nome do qual a julga imperfeita. Isso nunca acabará simplesmente por que um homem está sempre para além do que faz. "Quando acabar", diz ele, "escreverei, pintarei, divertir-me-ei".
Mas morrerá antes de acabar.
Quem tem razão, ele ou nós? Ele, desde já, porque, como diz Leonardo da Vinci, não é bom que um artista esteja contente. Mas também nós — e em última instância. Kafka, no momento da sua morte, queria que queimassem os seus livros, e Dostoiévski, nos últimos tempos de sua vida, sonhava dar continuidade aos Karamazov. Provavelmente, morreram um e outro com mau humor, este pensando que não tinha ainda nada feito de bom, aquele pensando que resvalaria para fora do mundo sem sequer o ter arranhado. E, todavia, esses dois ganharam, para além do que tinham podido pensar. Giacometti também; e ele sabe-o bem.
É em vão que Giacometti se agarra às suas esculturas como um avarento ao seu dinheiro escondido; é em vão que ele retarda, temporiza, encontra cem artimanhas para ganhar um pouco de tempo: os homens vão entrar em sua casa, afastá-lo, levar todas as suas obras e até o gesso que cobre o chão. Sabe-o, o seu ar de perseguido traiu-o: sabe que ganhou, a despeito de si mesmo, e que nos pertence.
Ao contrário do classicismo, Giacometti restitui às esculturas um espaço imaginário e sem partes. Aceitando de chofre a relatividade, encontrou o absoluto. É que ele foi o primeiro que soube esculpir o homem tal como o vemos, isto é, à distância.
Jean-Paul Sartre. Situações III.
Europa-América: Lisboa, 1971 (excerto) ズ