2.3.11

O primeiro segundo da morte


Miliciano Republicano no momento da sua morte, Cerro Muriano, 5 de Setembro de 1936

Até onde pode ir a intervenção do fotógrafo e que consequências pode ter? De que forma um fotógrafo pode mudar o rumo dos acontecimentos?
 A veracidade da famosa foto de Robert Capa – Miliciano Republicano no momento da sua morte, tirada a 5 de Setembro de 1936 – foi durante algum tempo posta em causa até que se descobriu a identidade do soldado e as circunstâncias em que ele morreu.
 Talvez tenha sido o que de facto aconteceu naquela tarde a levar Capa a não querer falar do assunto – nunca foram as acusações de «encenação» que o preocuparam, mas a noção de ter sido a sua presença a despoletar uma série de acontecimentos que culminariam na morte do miliciano. O fotógrafo chegou a comentar o episódio com a fotojornalista alemã Hansel Mieth, dizendo sentir-se «atormentado». Mieth afirma também que Capa ficou «perturbado para o resto da vida».
 O que se passou naquela tarde de 5 de Setembro de 1936 começou por ser, de facto, uma encenação: os milicianos republicanos fingiam estar em situações de combate enquanto Capa ia tirando fotografias.
 E nquanto os soldados «brincavam disparando as armas» (expressão do próprio Capa), tropas leais a Franco aproximaram-se. No momento em que Capa fotografava um soldado em pose, tiros de metralhadora fizeram-se ouvir.
 O que ficou então captado para a posteridade foi o exacto momento em que uma bala atingiu a cabeça do soldado, matando-o instantaneamente.
 Que teria acontecido se não ele tivesse decidido colaborar com o fotógrafo? Teria sobrevivido à guerra civil espanhola? A incerteza atormentou Capa toda a vida.
 Que a foto é verdadeira não restam dúvidas: o soldado foi identificado pelo irmão mais novo e a morte do miliciano encontra-se registada nos arquivos de Madrid e Salamanca. E nestes menciona-se a identidade, o local, o dia e a hora da morte: Federico Borrell García, 24 anos, Cerro Muriano, Córdoba, 5 de Setembro de 1936, cinco da tarde.
Especialistas forenses consultados para demonstrar a veracidade da fotografia indicam um pormenor significativo: a posição «inerte» da mão esquerda. Mesmo que a queda tivesse sido encenada, seria impossível que o homem, por reflexo, não esticasse os dedos de forma a amparar a queda com a palma da mão – em vez disso, a mão fica junto à perna esquerda, os dedos dobrados para dentro. Tal acontece porque o homem já está morto no momento em que a foto é tirada.
 «Quando tiramos a vida aos homens, não sabemos, nem o que lhes tiramos, nem o que lhes damos», escreveu Lord Byron. Capa soube-o a 25 de Maio de 1954 quando cobria a guerra da Indochina.
Estava muito bem disposto nesse dia. Quando saía da aldeia de Nam Dinh, perto do Rio Vermelho, no Vietname, terá dito: «Hoje vou portar-me bem. Não insultarei os meus colegas e não mencionarei uma única vez a excelência do meu trabalho.»
 Oito horas e trinta quilómetros depois, o fotógrafo pisou uma mina e morreu.

bitaites

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